120 ANOS DE CINEMA – 1976-1985 | KINOS

Agora é oficial: a televisão foi pro cinema. Roman Polanski diz que ‘‘fazemos dois tipos de filmes: os que são pra tela pequena e os que são pra tela grande’’. A linguagem da televisão atinge a sétima arte e o ritmo muda. Surge uma nova sensibilidade, inspirada no ritmo das histórias em quadrinhos, do videoclipe e da publicidade. O cinema mistura tudo isso e ganha e perde em suas experiências, mas cresce no mercado, nas superproduções e nas sutilezas, entrando na década de 1980 com ombreiras e toda a luz que lhe cabe. Nesse período também acontece o estouro de Bollywood, o coelho da produção cinematográfica.

1976
Taxi driver (Martin Scorsese, 1h53’)
087 - Taxi driverO sujeito vem do nada, se mata de trabalhar e consegue triunfar na vida. Este é Rocky, o ideal americano. Se o sujeito batalhou, lutou na guerra e não conseguiu limpar o mundo das injustiças, esse é o motorista de taxi Travis Bickle, numa história que soma O estrangeiro, de Albert Camus, com Nova York, conforme as palavras do roteirista Paul Schrader. Mesmo um loser pode ajudar a limpar a cidade. Sujeira é o que o franquismo faz na vida da jovem de 8 anos em Cría cuervos, de Carlos Saura. Cercada de mortes, resta à jovem viver resignada em seu mundo. Nagisa Oshima questiona se pornografia pode ser arte com O império dos sentidos.

1977
Star Wars: Episódio IV – Uma nova esperança (George Lucas, 2h05’)
087 - Star WarsMitologia com sabre de luz. Com baixo orçamento e muita vontade de contar uma história de ficção científica, George Lucas aceita ganhar com a bilheteria e cria a mais rentável franquia da história do cinema. Quase 40 anos depois os filmes continuam a estrear, o resto pode ser lido nos jornais. A versão de Spielberg é mais lírica, conta com algumas notas marcantes na vinheta da Rede Manchete e tem no elenco ninguém menos que François Truffaut, pela primeira vez unicamente diante da câmera. Estamos falando de Contatos imediatos de terceiro grau. Em contraste com as luzes futuristas, Os duelistas, de Ridley Scott, pintam cenários com a perfeição semelhante à dos diálogos de Woody Allen em Annie Hall (ou Noivo neurótico, noiva nervosa), que conta até com respaldo de McLuhan.

1978
Sonata de outono (Ingmar Bergman, 1h39’)
087 - Sonata de outonoDepois de ser insultado pelo sistema financeiro sueco, que cobrou de forma ofensiva satisfações de uma declaração de imposto de renda do diretor, Bergman foi filmar na Alemanha, de onde ofereceu ao mundo um encontro musical entre mãe e filha com a introspecção que lhe é peculiar. Tanto que Woody Allen homenageia o diretor sueco em Interiores, drama em que não atua e que faz da cena final um respiro como a brisa do mar depois de uma reunião tensa em família. Fassbender apresenta uma Alemanha puta, órfã de identidade em meio à divisão da Guerra Fria, com O casamento de Maria Braun. Três momentos pessoais que respondem por questões que vão além do indivíduo, mas dependem dele.

1979
Manhattan (Woody Allen, 1h36’)
087 - ManhattanAno prolífico em boas produções. Nova York é eternizada com os sons de Gershwin e a fotografia em preto e branco de Gordon Willis. Nessa autobiografia, Woody Allen traça um caminho subjetivo pela cidade dos grandes arranha-céus, capazes de sufocar e envolver ao mesmo tempo. Quem quase se envolveu em filme foi Francis Ford Coppola, pois gastou 50 quilômetros de película pra Apocalipse Now, o que permitiu uma edição Redux tantos anos depois. No espaço, os desenhos de H. R. Giger deram vida ao Alien de Ridley Scott, enquanto Polanski releva ao mundo o olhar irresistível de Nastassja Kinski em Tess. Saura, sempre político, diverte com inteligência em Mamãe faz cem anos, parte da trajetória de Ana, a dos lobos.

1980
O iluminado (Stanley Kubrick, 2h40’)
087 - ShiningKant antecipou: é tudo questão de espaço e tempo. Kubrick organiza, dilata, quebra o espaço e o tempo com perfeição neste longa baseado no romance de Stephen King. Além desse domínio impecável, ainda contou com a atuação perfeita (eu disse perfeita? vou repetir: perfeita) de Jack Nicholson. O céu era o limite. Na Espanha nasce La Movida, produtora de Almodóvar, e no Japão um sósia assume o poder quando da morte do líder em Kasemusha, de Akira Kurosawa. O que não encontrou sósia foi O homem elefante, filme sobre a diferença dirigido por David Lynch. A França vê passar O último metrô, olhar de François Truffaut sobre o nazismo, e o mundo inteiro vê Sexta-Feira 13, primeiro filme gore distribuído por um grande estúdio, a Paramount. A crítica ao sistema econômico mundial fica por conta do sul-africano Os deuses devem estar loucos.

1981
A guerra do fogo (Jean-Jacques Annaud, 1h40’)
087 - Guerre du feuDois grandes trunfos neste longa pré-histórico. O primeiro é mérito de Anthony Burgees, que criou uma forma própria de fala pros personagens e os tornou tão universais quanto o cinema mudo, dispensando legendas. O outro é do próprio Annaud enquanto produtor, ao conseguir parcerias num modelo internacional e relançar o cinema francês pro mundo, abrindo as portas pra Jeunet, Besson, Kassovitz e tantos outros. Spielberg resgata, como diz Vincent Pinel, o formato de aventura consagrado por Fritz Lang em Os caçadores da Arca Perdida, que nem trazia o nome do herói no título primeiro da franquia.

1982
Fanny e Alexander (Ingmar Bergman, 3h08’, a partir de 5h12’ da minissérie)
087 - Fanny e Alexander‘‘Esse é meu último filme, cinema é pra jovens.’’ Ainda filmou pra televisão e fez teatro, mas os longas se despedem do grande mestre sueco nesta síntese de sua obra, capaz de dizer tudo numa troca de olhares ou num teatro de miniaturas. Fitzcarraldo, ao contrário, era megalomaníaco e precisava de tanto que não conseguiu dizer, ao contrário de Herzog, que também exagerou na produção, mas teve um filme no final. A ficção segue dois rumos: o singelo E. T. que visita a terra e que Spielberg filma o tempo inteiro com a câmera na altura do olhar do menino, ou Blade Runner, o olhar noir de Philip K. Dick diante das lentes de Ridley Scott. Se Dustin Hoffman e Julie Andrews estivessem em lugares trocados, certamente não teríamos Tootsie nem Vítor ou Vitória.

1983
O baile (Ettore Scola, 1h52’)
087 - BaileSe você passasse 50 anos num só lugar perceberia a transformação cultural de um povo. Ettore Scola fez isso num salão de baile e deu uma das melhores aulas de semiótica do cinema, relacionando vaidades, pessoas, conflitos psicológicos e bélicos. Uma orquestração genial, didática e envolvente como a boa dança. Outro documento do século XX é Zelig, de Woody Allen. Ao se metamorfosear como seus interlocutores, o personagem se torna objeto desse pseudo-documentário tão elaborado que o diretor conseguiu filmar e terminar outro trabalho enquanto montava este. Retratando o início do cinema com seu toque inconfundível está E la nave va… Sem sair do estúdio, Fellini faz uma viagem de navio sem cor (na tela, não na história) e com planos fixos, em referência direta ao período representado. Scarface, remake de Brian De Palma, deve ter sujado muita gente nas primeiras filas do cinema, sobretudo na última cena.

1984
Paris, Texas (Wim Wenders, 2h30’)
087 - Paris TexasO filme se inicia tão silencioso quanto seu personagem e as falas crescem quando a história começa a ser contada. Primor dos road-movies, Wenders consegue ligá-lo, por uma série de semelhanças, a seu Alice nas cidades, e ainda assim ter uma obra peculiar, com inesquecíveis externas. No ano do Grande Irmão, quem dá um último adeus à direção, mesmo depois de prometer que não voltaria, é Ingmar Bergman, com Depois do ensaio, em que dialoga com dois atores sobre o que ocorre em cena. Uma boa despedida. Quem quiser substituir as lágrimas por alguma gosma desconhecida pode se divertir com Os Caça-Fantasmas (cuja ligação entre os dois filmes está em um desenho animado) ou com os Gremlins (desde que você não se esqueça das três regras).

1985
A rosa púrpura do Cairo (Woody Allen, 1h21’)
087 - Rosa púrpuraA quarta parede cai por terra. Fugir da infelicidade do dia-a-dia dentro de um filme pode ser uma salvação, mas viver repetidamente naquela história também deve ser tedioso. Woody Allen resolve essa dúvida realizando os sonhos dos dois lados e deixando as consequências pros outros. Quem joga também com isso é Akira Kurosawa, mas em 1990. Antes, neste 1985, lança sua versão de Rei Lear em Ran. Godard cria mais uma polêmica com Je vous salue, Marie e Claude Lanzmann impacta com os depoimentos de Shoah, documentário que ignora as cenas de arquivo em prol das imagens cotidianas. Quem também coloca o dedo na ferida é Terry Gilliam ao dizer que seu Brazil, o filme é ‘‘um anti-Spielberg no sentido de que os filmes dele são desprovidos de olhar crítico.’’ No mesmo ano, o diretor americano mantém o padrão de cores e lança A cor Púrpura, mostrando ao mundo o talento de Whoopi Goldberg.