A DESCONHECIDA | LITERATURA

A capa do livro com a imagem de uma mulher de costas, os longos cabelos fazendo lembrar O chamado e a frase ‘‘Ela deixa rastros de caos por onde passa’’ criam no leitor a expectativa de uma assustadora história de suspense. Na contra-capa, sobre o rosto em marca d’água da mulher, as palavras Mistério e Suspense dividem espaço com Hitchcock, ampliando a vontade de abrir e devorar as páginas que recheiam esses estímulos. Aconselho ao leitor um Engov antes e um depois.

Não é tão ruim quanto parece, mas os impactos exteriores são bem mais interessantes que a narrativa de Peter Swanson, uma linearidade de acontecimentos intercalada pelo passado do protagonista, o ingênuo George Foss, que nada mudou nos vinte anos que separam as duas partes de sua vida. Quando jovem, se apaixonou por uma jovem colega de faculdade e viveu com ela o intenso primeiro semestre, para descobrir que ela havia se matado, mas que, na verdade, não era ela. Vinte anos depois, a mesma mulher reaparece e o envolve em outra trama de mortes e mentiras.

064 - DesconhecidaA ideia é boa e poderia render um bom livro, e o que mantém o leitor até o final é justamente a história, pois a forma como é contada cansa diversas vezes. Os capítulos da juventude, por exemplo, são todos em itálico. Novo Conceito, por favor, isso cansa os olhos, e se a trama não ajuda, a fadiga se mostra. Esses capítulos começam bem, com os dois se conhecendo e dando os primeiros passos na relação, mas é o tempo todo um claro jogo de mentiras e sombras por parte da mulher (que a cada momento da história tem um nome, melhor continuar sem nomeá-la aqui). O jovem George se envolve e depois segue a moça até a casa onde ela morava antes de se matar para descobrir que tudo fez parte de um acordo de adolescentes e quem morreu foi a outra parte. O quanto a namorada tem relação com a morte, só o futuro pode dizer.

Vinte anos depois, a moça aparece num bar e pede que ele devolva um dinheiro que ela roubou. Pouco questionando as razões, ele topa e leva o dinheiro que a deixaria livre, ou assim ele pensa. Acaba se envolvendo em outra trama com morte e a cada passo se vê mais envolvido com o crime, acompanhado do desaparecimento de diamantes. E ainda encontra um sujeito que chega logo com um simpático soco no rim, dizendo que procura pela moça que ele ajudou, outra mentira deslavada.

Entre mentiras, ele se deixa levar e quando deveria agir, George dorme. O que ele mais faz no livro todo é dormir. Em algumas histórias, muitas vezes nos perguntamos se os heróis não dormem, porque passam por tantas aventuras e o sono não é comentado que nos questionamos sobre a invencibilidade dos personagens. Neste caso acontece o oposto. Talvez o autor não tenha encontrado outras saídas para passar o tempo narrativo e colocou o protagonista para dormir, já que o leitor o acompanha o tempo todo.

A trama poderia ter seguido o mesmo caminho, que tem boas maneiras de explicar os acontecimentos, mas tudo se perde a partir da fragilidade de George. Se ele não fosse tão bobo talvez não houvesse história, mas a pouca mudança que sofreu em vinte anos chega a ser incômoda. E quando começa a pensar de verdade, depois de ter se deixado levar o tempo todo, o livro acaba. Em alguns momentos entende-se sua esperança de voltar a ter a namorada da faculdade ao seu lado, mas mesmo depois de colocar a sensatez em cena, ele continua se deixando conduzir.

A história foi indicada a um prêmio de contos da internet. Talvez fosse menor naquele momento e, por isso, com menos descrições, que nem ambientam nem compõem a narrativa. Personagens mais interessantes, como Irene ou MacLean, com traços mais humanos, falhas e senso de humor, poderiam ter sido melhor explorados, pois nas poucas cenas em que estão até George parece uma pessoa melhor. Mesmo a detetive James chama mais atenção em cena do que ele. No entanto, não se sabe o que é responsabilidade do autor ou de seu agente, Nat Sobel, como escrito nos agradecimentos: ‘‘Toda vez que eu pensava ter feito algo perfeito, Nat me dizia que poderia ser muito melhor.’’ De pretensão e água benta…

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