AS CORES DO ENTARDECER | LITERATURA

As cores do entardecerEm abril deste ano, o site da revista Exame publicou uma matéria sobre os cinco casos de racismo que chocaram o Brasil recentemente: a expulsão de um garoto de 8 anos, acompanhado pelo pai americano radicado no país, da calçada de uma loja da grife Animale, na Rua Oscar Freire, em São Paulo, por uma funcionária do próprio estabelecimento; a expulsão de outro garoto, também filho adotivo, de uma concessionária da BMW no Rio de Janeiro onde seus pais – pasmem! – compravam um carro; os xingamentos de “macaco” ao goleiro Aranha, do Internacional, pela torcida do Grêmio, durante a Copa do Brasil; a exigência de que um policial militar de folga se despisse para provar aos seguranças de um supermercado em Vitória que não estava roubando dois vinhos comprados minutos antes do ocorrido; a recusa de uma australiana de ser atendida por uma manicure negra em um salão de Brasília.

Depois da publicação da reportagem, outros três, recentíssimos, ganharam repercussão: a jornalista negra que sofreu uma enxurrada de ataques racistas ao publicar uma foto sua em seu perfil no Facebook; a menina de 12 anos, vítima de racismo da escola, obrigada a pedir desculpas a seus agressores; e, no último dia 11 de maio, a exposição de outra jornalista de Brasília que teve uma foto sua grávida, tirada em 2011, colocada em forma de anúncio num grupo da mesma rede social destinado a vender artigos usados, com a seguinte frase: “Vende-se um bebê por R$ 50 reais”.

Não, nunca vivemos um regime de segregação extrema e oficial como o apartheid sul-africano. Nem a hipocrisia (ao menos não declarada) das “raças separadas, mas iguais” que vigorou por décadas, mesmo após a abolição da escravatura, em solo norte-americano. O que não quer dizer, como falsamente se orgulham alguns, que não vivemos num país racista. A resistência às cotas raciais nas universidades está aí para provar; o fato de os negros serem maioria nas prisões brasileiras também.

É por isso que a história narrada em “As cores do entardecer”, da escritora Julie Kibler, embora pareça retratar um episódio muito particular dos Estados Unidos, nos diz tanto respeito. No romance, a branca Isabelle e o negro Robert se apaixonam, mas são impedidos de ficar juntos por uma sociedade que impede até mesmo que os negros andem pelas ruas à noite. Os episódios ocorridos na década de 1930 se intercalam aos atuais, em que a já idosa Miss Isabelle, aos 89 anos, conta à cabeleireira Dorrie, também negra, a história de seu amor trágico e proibido.

Com uma narrativa terna sobre um tema tão bruto, “As cores do entardecer” é daqueles volumes que deveriam ser lidos por todos aqueles que querem se emocionar, mas também refletir. O oportuno subtítulo diz que são “Lembranças de um tempo que ainda não terminou”. Pois bem. Já passou da hora de fazermos com que termine.