A BELEZA DA VIDA | KINOS

A Doce Vida
A Doce Vida

Duvido que o leitor esteja dedicando toda sua atenção a este texto. É bem provável que parte dos pensamentos se encontre em uma situação acontecida mais cedo ou em um compromisso para daqui a pouco, em um filme que se quer ver ou em alguma imagem conhecida, na música que está tocando ou nas outras abas abertas no seu browser. Dificilmente o sujeito contemporâneo se dedica a um único elemento, a um único deus, a uma única cor, como dizia o Padre Antônio Vieira.

Nesse mundo de tudo-ao-mesmo-tempo-agora, as várias formas de narrativa se completam, no processo de transmídia, em que um assunto começa no filme, passa pelos quadrinhos ou pela internet, dá uma volta pelos desenhos animados e continua na televisão. Maluco? Absolutamente normal, questão de hiperlink, passo fundamental para a constituição dessa cibercultura que Pierre Lévy tanto presa, mas vigente desde que o homem se conhece como capaz de frequentar diferentes ambientes.

Cada pedaço da história tem também um mundo de referências, seja nas falas, na constitução da cena, nas cores, nos movimentos e gestos, nos cortes, nas músicas ou mesmo na base do próprio roteiro. Contamos histórias desde… sempre? E essas histórias nos afirmam no mundo enquanto seres sociais, resgatam momentos e fortalecem a memória, parte da identidade.

Nada tão contínuo quanto parece. Tudo vem quebrado, fragmentado, como uma série de fotografias, 24 por segundo. O cinema conta essas histórias como nenhuma outra tecnologia narrativa conseguiu até hoje. Ele envolve, encanta, te faz querer mais e se perder naquele tempo maleável e no espaço mais fluido que o homem conseguiu criar.

Imagine passear sem limites por esse mundo fantástico que é a sétima arte e viver uma história sem começo ou fim. O cinema, como veículo de comunicação de massa por excelência, é urbano, e escolher um lugar para viver cinema é geralmente escolher uma cidade. Real ou imaginária, ou imaginada a partir do real. De todo modo, uma cidade.

Da Nova York de Woody Allen à nossa Cidade de Deus, da Tókio animada de Akira às várias metrópoles de Star Wars, poderíamos escolher qualquer uma. Que tal uma cidade eterna, A Cidade Eterna: Roma. Boa pedida, pois temos milênios de histórias e influências para contar a cada esquina, ao flertarmos com cada construção que, como característica do cinema, mistura novo e velho num piscar de olhos.

Passear por nossa Roma poderia evocar paixões, conflitos, emoções retratadas ao longo de mais de um século de películas e cartões de memória. Nada melhor para registrar essa cidade aberta a todo tipo de acontecimento do que bons papparazzi, os fotógrafos frenéticos que buscam celebridades, ou as criam em meio a situações inusitadas, o que tornaria a vida em Roma um verdadeiro fait-divers.

A noite de Roma, que fantástica! Encontrar os amigos, entrar no carro e seguir para a casa de um deles, ou de algum conhecido que não está lá, e por ali se alojar com música, bebida e brincadeiras insólitas, do strip-tease à bruma de penas que caem dos travesseiros. Ao que chega o amigo e quer dormir. Para onde vamos?

Num bar, show com palhaços, balões e belas mulheres encantam o público, uma bela bailarina francesa acompanha os homens à mesa, assim como champagne, e vão todos para a casa dela. O dia nasce e a festa acaba, de vez para os que vão embora, apenas por um tempo para os que esperam pela próxima noite.

E se de noite todos os gatos são pardos, é na busca pelo leite que está a verdadeira fonte da realização. Nunca mais se banhará em duas gostas de Chanel quem pode desfrutar da Fontana di Trevi sob o olhar da lua, que contempla a estrela. Esta é a grande beleza: La dolce vita.