NA MESA DO BAR | LITERATURA

À Mão Esquerda
À Mão Esquerda

Sentar numa mesa de bar, ou num restaurante, é razão para a boa prosa, alimentada pela companhia. Geralmente a pauta começa com o que há de mais notório na mídia, na velha gestão do agenda setting aprendido nos cursos de Comunicação Social. A rede de associações passa por futebol, filmes, lembranças da infância e, sobretudo no atual ardor eleitoral, política. Quando alguém emite uma opinião literária, geralmente não passa disso, talvez com algum dos presentes lançando mão do celular para anotar o nome do livro e esquecendo-se de fazê-lo enquanto responde ao Whatsapp.

Outro dia fomos com amigos jantar e a conversa aconteceu na varanda do restaurante para sobrevivermos ao calor desse verão precoce e ao ardor da música ao vivo geralmente inconsciente de que as pessoas saíram para comer e não para ver um show. Entre os assuntos do momento, a comida estava ótima e nossa principal bebida foi a literatura.

Malu Ribeiro diz ser a mesa de bar um ótimo lugar para todo tipo de conversa, e quando há prazer e se trabalha com arte, não há distinção entre a hora de trabalhar e a de parar. Foi numa mesa de restaurante, por exemplo, que Konstantin Stanislavski e Vladimir Nemirovich-Danchenko discutiram de um dia ao outro, sem se levantarem, os preceitos que norteariam o Teatro de Arte de Moscou, uma das principais influências às artes cênicas do século XX.

Nossa noite literária, assim chamada pelo predomínio do tema, foi recheada do que há de mais instigante e, ao mesmo tempo, angustiante nesse tipo de conversa: a frase “ainda não li”. Eram dicas e mais dicas trocadas entre os comensais, fatalmente seguidas por alguma declaração como a referida, seguida geralmente de “tenho que anotar” ou “me manda por e-mail”. Há quem saia vitorioso dessa verborragia: antecipando recomendações, o casal de amigos levou Boca do inferno, do Otto Lara Resende, que me paquera enquanto escrevo este texto. Ainda não abri, existem alguns no caminho, mas seu destaque na casa não é em vão.

Entre os livros que marcaram as vidas dos presentes, não poderiam faltar Rubem Fonseca e Fausto Wolff, autores cujas inteligência e perspicácia tornaram a realidade brasileira mais sincera do que as páginas dos jornais, sejam estes sensacionalistas ou não (e quais, hoje, não têm forte tendência a ser?). Atenção especial foi dada a Romance negro e À mão esquerda. Hemingway, cujo ritmo traz bastante do jazz do momento em que viveu, fez o sinos dobrarem diante da certeza de que Paris é uma festa.

Da infância foi resgatado o imprescindível Encontro marcado, do apocalíptico mineiro Fernando Sabino, amigo de Otto Lara. Os passos dos jovens da infância à idade adulta poderiam ser mais conhecidos pelos estudantes de hoje, que têm valores tão efêmeros quanto uma postagem de Facebook. De Sabino também veio à tona O grande mentecapto, gerador de outra nota mental para ser lido. Outro brasileiro destacado foi Nelson Rodrigues, cuja prosa ganhou mais espaço que o teatro, embora não ignorado.

Pelos gringos, flertamos com a literatura noir, com as possibilidades de O mundo pós-aniversário, de Lionel Schriver, e da Visita cruel do tempo. A Europa trouxe Lolita. O senhor dos anéis (sempre) e A menina sem qualidades, além de Ian McEwan. E fosse o mundo mais curto ou o tempo mais longo, chegaríamos ao Japão, por onde passamos poucos dias antes, em outro encontro. Um bom livro é como uma boa conversa, você sai dali levando algo. Se boas histórias para contar ou uma lista de tantas outras para ler, depende da companhia.