PONTE DOS ESPIÕES | CRÍTICA

Classificação:
ExcelentePonteSteven Spielberg, sem dúvida nenhuma, já superou os limites de grande diretor e entrou para o hall dos mitos da história do cinema, um tanto pelo seu talento para espetáculo, quanto pela forma que sempre se supera e surpreende o público. Em sua filmografia esteve sempre disposto a mostrar que era mais que um Midas, tanto que encarou desafios dramáticos e transformou uma história real em uma das maiores obras-primas do cinema em 1993, com A Lista de Schindler. Porém, depois de O Resgate do Soldado Ryan (1998), muitos acharam que se tornou preguiçoso, sem mais nada a provar ou a mostrar, porém, com Ponte dos Espiões vem novamente surpreender, provando que ainda está em forma e evoluindo em sua forma de filmar.

Quando o espião soviético Rudolph Abel (Mark Rylance) é preso em plena Guerra Fria pelo governo americano, o advogado especializado em negócios imobiliários James Donovan (Tom Hanks) é escolhido para defendê-lo. Porém, um jovem da Força Aérea americana também é pego pelo governo soviético, o que obriga as duas partes negociarem uma troca entre prisioneiros. Cabe então a Donovan, sem experiência na área legal, intermediar a operação, sem que isso aumente ainda mais a tensão entre os países.

É claro que Ponte dos Espiões trata de um dos assuntos que Spielberg mais adora: a celebração de um herói. Porém, existe algo no roteiro escrito por Matt Charman, na categórica companhia dos irmãos Joel e Ethan Coen que faz deste filme um tanto distante do modo Spielberg de cinema. Aqui, ao contrário de obras como A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan, o herói não é construído sob um manto de ufanismo americano exagerado, aliás, ele sequer fica aparente. O James Donovan de Hanks é um cidadão comum, que decide seguir a razão do que a lógica Macartista que previa a eliminação de quaisquer comunistas.

E nesse seguimento o diretor surpreende. Não direciona sua câmera para tal mistificação, ainda que, se tratando de um personagem real e o que ele fez, merecesse, se contém em apresentar os fatos, considerar possibilidades e concentrar suas questões morais para um fator mais humano, sem floreios. Existe uma obscuridade, talvez numa tentativa de explorar a tensão do jogo de interesses entre as partes, e evidenciar o quanto a Guerra Fria era tão pesada. A fotografia do sempre competente Janusz Kaminski não permite que o filme se torne modorrento demais, sério demais, assim como aconteceu com o regular Munique (2005).

Esse meio termo cinematográfico entre dramalhão e o cinemão hollywoodiano mostra ao público um Spielberg diferente, contido e com a certeza absoluta do que pretende nos apresentar. Sem situações limite, o diretor abre mão até da trilha melodiosa em excesso (curiosamente não assinada por John Willians, que com problemas particulares foi substituído por Thomas Newman), e sua câmera reserva mais espaço para a história como um todo, não apenas na figura central. Brinca com seu próprio cinema, cria um anti-Spielberg para apenas mostrar que também pode sair do seu lugar comum.

Talvez isso tenha também provocado em Tom Hanks um apetite por atuar. Depois de muitos anos o ator não tem um personagem tão icônico em um filme de primeira grandeza. Seu Donovan é um homem que é movido pelo que acha certo, isso obriga ao ator a criar uma identidade a qual não está acostumado, e, com seu talento, o faz com maestria. Entretanto, a grande atuação fica por conta de Mark Rylance, que convence com pouco tempo de cena e em detalhes singelos que demarcam seu personagem, também composto por uma dualidade moral.

Ponte dos Espiões não é o melhor filme de Steven Spielberg, porém merece destaque por mostrar que o diretor, além de saber dirigir dramas, também é capaz de modificar sua cinematografia, aprender mesmo que consagrado. Se continuar deste jeito, ainda estará ainda mais perto de se consolidar como um dos maiores que já se sentou atrás de uma câmera.