UM MUNDO ATUAL (A WHOLE EVERNEW WORLD) | KINOS

Aladdin pôsterA Disney é a referência histórica nas animações, isso ninguém nega. Do primeiro longa, Branca de Neve e os sete anões, até o próximo filme, muita gente vai ao cinema ver o que as mãos com lápis ou mouse podem fazer pelo cinema. E por mais que o mundo Disney seja didático, pedagógico e politicamente correto, isso não dispensa grandes histórias que encantam os adultos. Superlativos são sempre suspeitos e outro dia aceitei a proposta para quebrar um deles: fui ver Aladdin, que alegava ser o melhor desenho Disney. Tinha visto uma única vez, no cinema, e nunca mais depois, mas repetia a afirmação.

Quando o filme começou, já estava cantando e falando junto com o vendedor que apresenta a lâmpada e, com ela, a história. “Como você sabe até as falas se só viu uma vez?”, ao que respondi: “tem tudo no CD”. Esse é o padrão Disney. Desde esse prólogo, Aladdin se mostra atento ao que acontece hoje em dia. O hoje do filme é 1992, mas visto em 2015 nada fica pra trás. O vendedor começa a oferecer um monte de coisas ao espectador que, num movimento de câmera, começa a se retirar. E ele retoma a atenção do público correndo para o enquadramento e olhando nos olhos, como Frank Underwood faz na Netflix de hoje.

Se a lâmpada é a motivação pra história, o personagem que leva o nome do filme aparece em seguida: dribla soldados, canta, faz acrobacias e malabarismos e ainda ajuda quem tem necessidade. Lindo, galante e envolvente, pelo ritmo das cenas e pela música de Alan Menken, o mestre do ápice da Disney nesses anos 1990. Claro, o jovem Aladdin tem um mascote, um chimpanzé mal-humorado que se expressa com sons e gestos, com diretas influências da palhaçaria.

Do outro lado do muro, o cruel Jafar é inspiração para Scar, de O Rei Leão, que o aprimora em crueldade, mas perde no carisma. Jafar tem um lado bobão apoiado em seu ombro: Iago. Scar é versão Cláudio de Hamlet, Iago é a inspiração pra Jafar e seu mascote. Ave Shakespeare! Sob os olhares hipnóticos do conselheiro, o sultão bocó que quer casar a filha com alguém da realeza, respeitando a tradição, em detrimento dos sentimentos da filha. Jasmine, adolescente revoltada, questiona a tradição e foge pra encontrar a vida fora dos muros, e ali esbarra em Aladdin.

Da prisão pra onde vai depois de ajudar a princesa, Aladdin é levado pelas artimanhas de Jafar até o protagonista da trama. Como disse: Aladdin é o nome do filme, mas o protagonista é o Gênio. Atuação impecável, entre tantas, de Robin Williams, que faz do melhor personagem do filme uma aparição aos 40 minutos, quase metade dos 90 totais. E que aparição: do jeito que sai da lâmpada ele vive por cada instante em cena: intensamente.

O Gênio é frenético, fantástico, ouso dizer esquizofrênico. E muito, muito, muito à frente de seu tempo. Isso se considerarmos seu tempo 1992. Imagine se for a época da velha Agraba? Ele fala, canta, menciona figuras famosas (de Jack Nicholson a Arnold Schwarzenegger), conhece história e entende de culinária, como na sequência em que Aladdin pede pra ser transformado em príncipe e o Gênio abre um livro de receitas, do qual tira pratos como Cesar’s Salad. Nessa intensidade, emite um caos de citações num ritmo que faz inveja mesmo a seriados de TV atuais.

Síntese do hiperlink, o Gênio vai a extremos e volta num apertar de tecla, como na internet de hoje pode-se viajar pelo mundo com apenas um estalar de dedos. No caso dele, literalmente. Poderoso como a grande memória universal e ao mesmo tempo íntimo do espectador, o personagem tem valores, carisma e inteligência capaz de fazer com que o filme possa ser visto várias vezes e ainda assim nem todas as referências serem captadas. Sabe aquele celular que você carrega e que parece ser seu melhor amigo? Existem duas diferenças entre ele o Gênio: o cara azul não realiza seus desejos apenas virtualmente e, sim, ele é seu amigo.

Cinema não é arte de um só, como futebol não se joga sozinho. No entanto, alguns times se apoiam em craques, como o Brasil de 1994 em Romário ou a Argentina de 1986 em Maradona. Aladdin é o melhor filme da Disney graças a um bom roteiro, à boa animação, a direção e montagem e, principalmente, a Robin Williams. Além de, como Anthony Hopkins em O silêncio dos inocentes, roubar o filme com poucas aparições, ainda fazia funcionar outros trabalhos, pois o amigo Steven Spielberg ligava pra ele durante as filmagens para que ele alegrasse outro elenco: longe da Disney, filmavam A lista de Schindler. Williams é a síntese do palhaço: capaz de arrancar risos até em campos de concentração, mas triste por dentro. Na comédia ou no drama, deixou legado, mas não resistiu ao que o palhaço impõe.